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(Conheci novas caras esses dias e daí peguei esse textinho lá do fundo de um velho blogue meu)
Os huguenotes tentaram se apropriar do sentido daquele livrinho, a lê-lo como um libelo regicida. Outros tentaram outras coisas, vendo ali o que ele não dizia. O recado era simples: só há um remédio contra a servidão. Esse remédio é a amizade. O livro: “Discurso contra a servidão voluntária”. O autor, Etienne de La Boétie, um francês das Luzes.
Eu carreguei o “Discurso…” comigo durante muitos anos, como um embrulho debaixo da roupa, sei lá, algo que deixa a gente meio torto, esquisito, um estranho no meio da vida besta. Aquele texto erudito e límpido, a louvar uma utopia fundada não exatamente no paraíso da igualdade, mas na paridade das diferenças. Os amigos são diferentes, os amigos não são irmãos, não são pai e filho, não são mãe e filho, não fazem parte da confraria das relações sangüíneas. Não. São assim: amigos, uma espécie de antinatureza – contra o que temos de mais humano: a maldade. A amizade: único antídoto contra a servidão.
Etienne escreveu o livrinho para responder a uma pergunta que o atormentava e atormentou outras cabeças das Luzes: por que as pessoas se curvam à servidão, por que essa servidão voluntária? Porque estão imersas numa cultura que desconhece as relações sem o comércio de poderes e violências: a amizade.
Os amigos não são os bons companheiros. Bons companheiros são os gângsteres, sabemos muito bem graças a Martin Scorcese. São, isso sim, quase uma excrescência numa cultura do pega-pra-capar dos vencedores, esse discurso que, nos livros de auto-ajuda, se disfarça de estímulo a seguir em frente.
O livro do Etienne, eu carreguei comigo e disse pra mim mesmo que ele sobreviveria ao resto de dilapidação a que fui recorrendo pra sobreviver, muitas vezes, vendendo livros em sebos no Edifício Maletta, em Belo Horizonte, como um beatnik tardio, um “homem sem profissão”, como disse nosso genial cabotino, Oswald de Andrade.
Eu disse pra mim mesmo, mas acabei aprendendo que havia mentido. Meu exemplar do “Discurso contra a servidão voluntária” acabou voltando pras prateleiras de um sebo. Mas acho que não traí um amigo. Apenas o deixei no caminho pra que outro alguém o pegasse. E não fizesse como os huguenotes. E o lesse como ele é: diferente.
Foi aquele francês que me ensinou que podemos não ser apenas os seres “que fazem sexo e vêem tv”. Nem servos, nem meros companheiros. Nem camaradas. A amizade, meu mano.
Aqui, ó, no Le Mond Diplomatique Brasil:
(PARA MÔNICA)
É quase preta a carne dela
combina com a lua amarela
A carne dela
e a minha
são vizinhas e distantes
paixão elegante
de duas carnes sozinhas
ou não
duas almas sozinhas
ainda que a carne não
Lá do blog do Azenha. Aqui, ó:
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/sergio-pamplona-o-buteco-do-biu/